Universidades e institutos de pesquisa devem criar ambiente propício para estudos inovadores

09-08-2012

09/08/2012

Por Elton Alisson

Agência FAPESP – Na Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), nos Estados Unidos, às sextas-feiras, um grupo rotativo de 50 professores de diferentes departamentos da instituição se reúne durante o almoço para debater pesquisas em andamento em diferentes áreas.

Periodicamente, duplas de professores da UCSF também realizam minicursos intensivos, com duração de duas semanas e voltados para grupos de até 12 estudantes, nos quais abordam lacunas do conhecimento em suas respectivas áreas de pesquisa.

As duas iniciativas, além da própria maneira como os edifícios e os programas de pesquisa desenvolvidos no novo campus da instituição foram planejados e construídos, integram um conjunto de medidas colocadas em ação pela UCSF nos últimos anos de modo a promover uma colisão aleatória de pessoas e ideias em suas dependências – e, com isso, criar um ambiente propício para o surgimento de pesquisas inovadoras.

O relato foi feito por Bruce Alberts, professor emérito do Departamento de Bioquímica e Biofísica da UCSF e conselheiro do presidente Barack Obama para assuntos de ciência e tecnologia, durante conferência no dia 3 de agosto no auditório da FAPESP com o tema “Scientific excellence: ways and means of difussion”.

Na avaliação de Alberts, que também é editor-chefe da revista Science, é preciso que as universidades e instituições de pesquisa se estruturem e organizem programas de pesquisa de modo a estimular a realização de estudos inovadores e ciência de excelência.

Uma das formas para fazer isso – que Alberts indicou com base em mais de 30 anos lidando com universidades e instituições de pesquisa e com política científica e tecnológica – é apoiar um conjunto de laboratórios de tamanho modesto, com no máximo 12 pesquisadores que sejam liderados por um pesquisador independente “excelente e inovador”.

Segundo Alberts, esses laboratórios devem ser agrupados e imersos em uma cultura de cooperação, nos quais tecnologias e equipamentos sejam compartilhados livremente, a exemplo do que ocorre hoje na UCSF.

“Nossos sistemas de recompensa a pesquisa devem mudar para incentivar fortemente a originalidade e a tomada de riscos e aceitar as falhas, que fazem parte do processo”, disse Alberts a uma plateia composta por pesquisadores e estudantes que lotou o auditório da FAPESP.

No fim do evento, o público formou fila para pedir dedicatória em exemplares do livro Molecular biology of the cell, escrito pelo bioquímico em 1983 e muito utilizado por estudantes e pesquisadores da área em todo o mundo.

Alberts contou que, no início do governo do presidente Bill Clinton, em 1993, quando presidia a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (NAS, na sigla em inglês), houve um projeto de lei que defendia que para receber financiamento público toda proposta de pesquisa deveria demonstrar as aplicações práticas de seus resultados. “Essa medida foi vista como uma ameaça para a pesquisa básica”, relembrou Alberts.

Como resposta à medida, a NAS produziu uma série de folhetos e um site, destinado a políticos, tomadores de decisão e ao público em geral, em que apresentaram estudos de caso de como uma pesquisa básica resultou em descobertas imprevisíveis.

Um dos estudos de caso elaborados pelos cientistas foi do Sistema de Geolocalização por Satélites (GPS, na sigla em inglês), cujas pesquisas iniciais em física contribuíram para o desenvolvimento da tecnologia.

“É a pesquisa básica, que muitas vezes não tem aplicação prática no início, que leva a caminhos imprevisíveis para as mais importantes descobertas já realizadas na ciência”, avaliou.

Estratégias de pesquisa

Na opinião de Alberts, há um número excessivo de pesquisas sobre determinados temas que não levam a estudos inovadores, enquanto há outras áreas de pesquisa experimentais ainda inexploradas que podem resultar em aplicações novas e surpreendentes.

Uma das formas apontadas para sair desse estado de inércia irracional – que segundo Alberts afeta todos os grandes sistemas, incluindo as universidades e institutos de pesquisa – é por meio de incentivos, entendidos como recursos financeiros para a realização de pesquisas em áreas na fronteira do conhecimento.

“Um desafio urgente para as universidades e agências de financiamento à pesquisa é desenvolver mecanismos especiais para selecionar os melhores jovens pesquisadores e proporcionar a eles os recursos de que necessitam para iniciar novas linhas de pesquisa, sem a exigência de resultados preliminares”, afirmou.

Alberts mencionou o exemplo dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, com a criação do New Innovator Award. Esse auxílio é voltado para pesquisadores com doutorado concluído há menos de dez anos, que podem propor uma abordagem altamente inovadora a um problema científico de alto impacto, sem a necessidade de apresentar resultados preliminares.

“Precisamos incentivar os cientistas a saltarem de áreas de pesquisa já excessivamente exploradas para outras, que ainda apresentam muitas lacunas e podem resultar em estudos inovadores”, disse Alberts.

Entretanto, segundo ele, como há um enorme número de experimentos que, em princípio, poderiam ser realizados em áreas de pesquisa ainda inexploradas e os recursos financeiros e humanos para isso são sempre escassos, é preciso desenvolver estratégias para decidir sobre qual problema científico atacar.

“Meu conselho aos jovens cientistas é que trabalhem problemas que são importantes para serem resolvidos e que ainda não foram intensivamente explorados. Mas problemas que também tenham outros cientistas qualificados tentando solucioná-los, com os quais possam interagir”, indicou.

De acordo com Alberts, algumas estratégias que têm funcionado bem na realização de pesquisas em diferentes áreas são identificar um problema científico importante e ainda não solucionado e inventar ou procurar novos métodos ou abordagens de resolução.

Já uma das estratégias que não têm obtido êxito é aperfeiçoar um determinado método ou abordagem e, posteriormente, procurar um problema científico para utilizá-lo. “Estratégia é tudo em pesquisa”, disse Alberts.

Editor-chefe da Science desde 2007, Alberts contou que uma das ações implementadas pela revista publicada pela American Association for the Advancement of Science (AAAS) para ajudar a estimular a inovação na pesquisa – de modo a ajudar a comunidade científica a avançar em questões críticas, como a disponibilidade e o gerenciamento de dados – é publicar, além de artigos científicos, notícias e comentários técnicos sobre pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo.

“Temos sessões na Science dedicadas a notícias da semana, resumos de eventos científicos, editoriais, cartas e resenhas de livros, que representam uma forma de tentar contemplar o que está acontecendo em diversas áreas da ciência”, disse.

“Os cientistas precisam saber o que está ocorrendo fora de suas áreas de estudo para se tornarem mais inovadores em seus campos de pesquisa”, afirmou Alberts.

Fonte: Agência FAPESP

(http://agencia.fapesp.br/16006)