APRESENTAÇÃO

Autores

  • Comissão Editorial UFES

DOI:

https://doi.org/10.22535/cpe.v22i45.18985

Resumo

 

 APRESENTAÇÃO

 

Nesse Dossiê “A FUNÇÃO POLÍTICA DA ALEGRIA NO COTIDIANO ESCOLAR” buscamos não falar sobre a alegria, mas falar com alegria, esmaecendo intencionalmente a distância entre a alegria e o cotidiano escolar. A alegria, no contexto escolar, tem sido considerada como delírio, inconsequência, loucura, porém partimos do pressuposto que a alegria é uma força política em seu potencial transformador e incentivador. Sentir-se alegre é, como afirma Spinoza, em sua Ética(1677), aumentar nossa atividade, pois quando sofremos uma diminuição da intensidade de nossa potência intrínseca, mais precisamente na ocorrência de vivências que motivam a formação de afetos tristes, como o ódio, o ciúme, o rancor, dentre outros, ocorre o enfraquecimento da nossa capacidade de agir.Desse modo, o conatus, esforço para perseverar na existência, define nossa potência de agir e os obstáculos por ela enfrentados que podem reduzi-la à passividade. Será bom tudo que aumenta a potência de agir do conatus, e mau, tudo que a diminui e, sendo assim, o mergulho na alegria tem consequências políticas nas relações. Sentir-se alegre é, portanto, da ordem do encontro, e, como tal, pode ser também com a diferença.Como o sujeito percebe a diferença? Os textos aqui apresentados mostram que a percepção coalescente com a diferença acontece quando nos cotidianos a alegria se transforma numa estética e numa ética dos afetos, não domada, visto que a alegria é uma experiência, um encontro com o outro e consigo mesmo nos processos aprendentes.Não se sai ileso da experiência da alegria, pois como afirma Deleuze (1997) a alegria do pintor aparece quando ele descobre a cor.

Assim, este Dossiê apresenta oito artigos que, direta ou indiretamente, abordam a alegria como potência política no cotidiano escolar. São eles:

“Os espaçostempos do riso no cotidiano da docência” de Anelice Ribetto, que objetiva ser um ensaiosobre a temática em três movimentos: a experiência, o disparo e a carência. A experiência tem a ver com ser docente de uma escola estatal da Argentina e a utilização da câmara como mediadora das inter-relações pessoais durante a organização da festa do “Dia do Professor” em 1998, em que foi utilizada a filmadora como ferramenta,e o que chamou atenção foram as formasque as professoras desejavam ser registradas: situações cômicas, ridículas, entrevistas ou monólogos pouco sérios e fora dos conteúdos curriculares oficiais. Os registros foram utilizados como disparadores para forçar o pensamento a pensar, a partir do que havia vicenciado como docente: as imagens audiovisuais, os cotidianos escolares, o riso como acontecimento que irrompe na vida cotidiana das instituições escolares, produzindo caos, criando e recriando outras formas de ser e pensar o mundo. Finalmente, acarência como outro dos movimentos-contextos deste texto, visto que a pesquisa continua buscando a existência de bibliografía acadêmica específica sobre o tema desde agosto de 2004, encontrando poucos referenciais teóricos. Algumas das perguntas que sugere esta falta são, entre outras: por que escrevemos tão pouco sobre o riso no campo da pedagogia e da educação? Por que rimos tão pouco de nossa própria escrita acadêmica?

 “Idéias ex-cêntricas em notas de rodapé sobre alegria no currículo”, de autoria de Carmen Lúcia Vidal Pérez e Márcia Fernanda Carneiro Lima, trazfragmentos de pesquisas, desenvolvidas pelas autoras, com crianças no cotidiano da escola para pensar a alegria como fenda curricular como aponta Corazza (2006). Inspiradas em Spinoza e em Manoel de Barros, tomam a alegria para pensar e escrever uma pesquisa em conversas. Conversas com crianças sobre seus modos singulares de aprender. Narrativas registradas como notas em cadernos de campo e “lidas” no presente artigo, a partir das notas de rodapé e das anotações rascunhadas no movimento da pesquisa. O texto é um conjunto de fragmentos que compõem uma invenção, uma experiência de escrita, uma experimentação na escritura.

O artigo de autoria de Maria da Conceição Silva Soares e Vanessa Maia Barbosa de Paiva, denominado “Alegria de viver, a força maior para agirpensar e criar currículos nos/com os cotidianos dentrofora das escolas”, apresenta a ideia de que toda alegria é alegria de viver e que essa alegria é a força maior que transborda quando as vidas assumem um compromisso de afirmação de sua existência. Trata-se do simples prazer de existir, apesar de todas as contrariedades e da consciência da morte, da instabilidade, do risco, da insegurança e da impermanência. Para a tessitura destes escritos, este texto dialoga com intercessores, como Clément Rosset, Schopenhauer, Nietzsche, Espinoza, Muniz Sodré e Didi-Huberman. Traz ainda, a partir de narrativas, produzidas com pesquisas nos/com os cotidianos em educação, desenvolvidas pelas autoras, o que denomina de “aparições” da alegria em processos curriculares tecidos em redes dentrofora das escolas, indicando que a alegria potencializa modos inéditos de agirpensar e criar conhecimentos e modos de conhecer, trazendo, com isso, mais alegria.

“A dimensão política da alegria e a alegria como uma dimensão do político”, escrito por Janete Magalhães Carvalho, Sandra Kretli da Silva e Tânia Mara Zanotti Guerra Frizzera Delboni, aposta na invenção como dimensão política da alegria no currículo escolar e na formação de professores. Busca agenciamentos coletivos com professores e professoras de uma escola de ensino fundamental do município de Vitória, ES, em processos de formação que se afirmam na potência dos encontros, nos quais as imagens (literárias, cinematográficas, midiáticas, fotográficas etc.) são disparadoras para instaurar “redes de conversações” (CARVALHO, 2009). Problematiza: como a escola, entendida como espaço coletivo e plural, potencializa os processos inventivos e a construção do comum, da alegria? Como liberar a inventividade, a força-invenção, que engendra um currículo escolar nômade e coloca o pensamento em movimento afirmando a alegria como função política do processo de ensinar e aprender? Utiliza como intercessores os teóricos Pelbart, Nietzsche, Lazaratto, Spinosa, Kastrup, dentre outros. Aponta que a força afetiva da invenção produz a subjetividade como força viva, como potência política, como biopotência, que é a potência de vida do coletivo. Ressalta que pensar a invenção como dimensão política da alegria na formação de professores e no currículo escolar é pensar, primeiramente, que a questão política remete-nos ao compromisso de apostar na vida: na potência da vida que se afirma, cotidiana e coletivamente, em meio a diferentes forças que impelem e impulsionam singularidades, invenções e criações, mesmo em meio ao biopoder que ousa simplificar e ordenar a potência da vida escolar em uma lista de habilidades e competências.

É de Eduardo Simonini e Mirtes Aparecida dos Reis Guimarães o artigo “O instante fecundo: ou sobre o tempo, o acontecimento e a aprendizagem”, no qual se propõem a pensar o tempo como uma ritmação de inventivo fluir e não apenas como uma sequência de instantes a afirmar uma repetição ritual da vida e um destino à realidade. Assim, discutem brevemente sobre construções filosóficas, científicas e religiosas do conceito do tempo para, depois, pensá-lo como sendo processo inventivo tomado em acontecimentos capazes de, ainda que sutilmente, mudar o ritmo da realidade. Nesse sentido, pensar o tempo e a realidade coincide com as reflexões em torno dos processos de aprendizagem e, nesse sentido, importa o pensar sobre o tempo-invenção-aprendizagem nos trabalhos de Henri Bergson, Gilles Deleuze e Virgínia Kastrup. A conclusãoconvida ao desafio de pensar os acontecimentos – e a novidade neles emergentes – não como um erro a ser expurgado, mas como uma realidade a ser problematizada.

 De Licínio Backes e Ruth Pavan, “O currículo e a produção de identidades/diferenças de gênero: a heteronormatividade em questão?” busca refletir sobre o currículo, mais especificamente, sobre o currículo e a produção de identidades/diferenças de gênero nos anos finais do ensino fundamental. O currículo é visto como uma arena de significados que, além de lidar com conteúdos, produz sujeitos, produz identidades e diferenças, entre as quais, identidades/diferenças de gênero. As identidades/diferenças de gênero são vistas como relacionais, históricas e culturais. O artigo baseia-se na análise das entrevistas realizadas com professores de uma escola pública estadual do Município de Campo Grande (MS) com alto IDEB nos anos finais do ensino fundamental em 2011, 2013 e 2015. Conclui-se, com base na pesquisa efetuada, que os professores entrevistados ainda têm dificuldade de lidar com as identidades/diferenças de gênero, o que se dá, em grande parte, como resultado da cultura marcada pela heteronormatividade – uma heteronormatividade que está sendo questionada pela luta dos movimentos sociais, notadamente os movimentos feministas e LGBT. Mesmo nas entrevistas com os professores, observaram-se alguns sinais de questionamento da heteronormatividade quando afirmam que hoje as diferenças entre meninos e meninas não são mais tão nítidas; que não julgam as orientações sexuais de seus alunos; e que, quando percebem discriminação entre alunos, procuram ensinar que não se deve discriminar.

“Dos encontros nos currículos – esculturas singulares e cotidianas de fazeressaberes” é o texto de Alexandra Garcia e Allan Rodrigues, que aborda práticasteorias que se tecem na produção dos currículos nos cotidianos a partir das narrativas de professoras de escolas públicas atuantes nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As narrativas foram produzidas em rodas de conversa realizadas no contexto de projeto de pesquisa e extensão desenvolvido com escolas e professores das redes públicas do município de São Gonçalo e municípios vizinhos. O objetivo maior do artigo é discutir a partir dessas narrativas o que move os sujeitos e a produção de conhecimentos nos currículos,considerando a ideia de que as paixões funcionam como forças que mobilizam as transformações sociais e de que a alegria produzida num bom encontro potencializa a vontade de agir. Para tanto dialoga com as noções de encontros (GARCIA, 2015) e de bons encontros (ESPINOZA, 2010), além de pensar, no âmbito da pesquisa com os cotidianos e da pesquisa-formação que fundamentam os aspectos metodológicos do estudo apresentado, as escolas como espaçostempos privilegiados na formação de professores e na discussão dos currículos, constituindo o ponto de partida e chegada da pesquisa.

“Alegria nosdoscom os encontros: narrativas com currículos nos cotidianos escolares”, escrito por Graça Reis, Maria Luiza Süssekind e Viviane Lonta, defende a docência como trabalho intelectual, criativo e acontecimental, capturado por meio de narrativas que acontecem em encontros e conversas apostando discutir as noções de doncia, encontro e currículo nos cotidianos da escola básica. Nos encontros se tecem tro­cas de experiências com professores e currículos e também narrativas coletivassingulares, que, capturadas nas “conversas complicadas”, são estudadas a partir das epistemologias do Sul. Entre currículos e encontros, a escritura desse artigoimplicou ver alegria para além da tristeza que nos assola desde o Golpe de 2016 e a miragem do cerco jurídico, político e midiático aos direitos humanos, civis e trabalhistas que vivemos. A alegria que as autoras sentem no texto é um libelo contra a tristeza da docência desumanizada, precarizada pelos manuais dos currículos nacionais, pelas testagens externas padronizadas e pelo aprofundamento da privatização da educação pública e das políticas que abduzem a democracia dos cotidianos escolares.

Dois artigos do fluxo contínuo ainda compõem este número da Revista Cadernos de Pesquisa em Educação. O primeiro “Experiências bonitas com Regina Leite Garcia e suas provocações com os processos formativos: contar e encantar é preciso” de autoria de Alexsandro Rodrigues, propõe-se a “uma conversa afetiva” em diálogo com o legado de reflexões e lutas sociais deixados por Regina Leite Garcia, sobretudo pela sua atuação em defesa da escola pública e a justiça social.

O segundo artigo “Autonomia do trabalho dos docentes na formação inicial dos professores”, de autoria de Ailson Pinhão de Oliveira, coloca em debate as tensões existentes na docência entre sua atividade de trabalho real e trabalho prescrito, principalmente a partir da configuração do Projeto Político Pedagógico. Tem por objetivo evidenciar modos como diminuir o controle institucional sobre a docência no processo de organização do ensino e da aprendizagem e a evitação de certos individualismos ainda existentes na autonomia docente.

 

Boa leitura!

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Publicado

31-07-2017